Por: Érico Carvalho Silveira e Lorena M. Costa Leite
A Lei nº 13.709/2018, mais conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), com vigência a partir do mês de setembro de 2020, trouxe um conjunto de medidas com a finalidade de proteger os dados pessoais fornecidos aos mais diversos agentes de tratamento, seja no âmbito público ou privado.
Referida legislação estabelece as diretrizes para utilização de dados, legitimando o acesso e discorrendo acerca da ilegalidade de algumas medidas. Para tanto, estabeleceu as bases legais e principiológicas no tratamento de dados, definindo, em seu texto, o que seriam dados pessoais e dados sensíveis, conceituados a partir de suas especificidades, as quais têm grande relevância na aplicação ao processo eleitoral.
A norma dispõe:
“Art. 5º Para fins desta Lei, considera-se:
II – Dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”.
Diante de tal previsão, com a aproximação do pleito eleitoral, há questionamentos sobre a utilização dos dados pessoais nas campanhas municipais de 2020, ainda mais por se tratar de uma legislação recente, cujos personagens deverão ser testados no curso da campanha.
Os dados pessoais dos eleitores serão utilizados de diversas maneiras, tanto dados gerais, de pessoas filiadas ao partido, como dados mais abrangentes, com a definição dos interesses, preferências e afinidades políticas, informações estas que serão determinantes para o melhor direcionamento das campanhas eleitorais.
Os dados sensíveis, para o processo eleitoral, são de grande relevância, pois conferem maior assertividade nos atos de campanha, direcionando, inclusive, as medidas de marketing e propaganda. Contudo, o grande desafio nesta eleição é conciliar os atos de campanha com as limitações impostas pela Lei Eleitoral.
Para evitar desdobramentos no campo eleitoral, inclusive instabilidade para a candidatura, é importante que os dados sejam utilizados com estrita observância e aderência à Lei Geral de Proteção de Dados. O acesso ou a utilização dos dados sensíveis, que, obviamente, são mais relevantes para a eleição, só podem ocorrer mediante autorização específica do titular.
Para o pleito de 2020, a Justiça Eleitoral editou a Resolução nº 23.610/2019, com a finalidade de melhor disciplinar a propaganda eleitoral, oportunidade em que dispôs, ainda, sobre a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) nas comunicações eletrônicas com finalidade eleitoral. O texto da resolução dispõe, em seus artigos 31, § 4º e 41, que as campanhas não podem receber em doação ou adquirir dados pessoais oriundos de pessoas jurídicas, e indica que “o tratamento de dados pessoais, inclusive a utilização, doação ou cessão destes por pessoa jurídica ou por pessoa natural, observará as disposições da LGPD”.
O art. 28, inciso III da Resolução, prevê que a propaganda eleitoral poderá ser realizada por meio de mensagem eletrônica para os endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação, observadas as disposições da LGPD quanto ao consentimento do titular, sendo esta uma condição indispensável.
O consentimento esclarecido é a concordância, livre de vícios, do titular, após acesso detalhado e completo sobre o tratamento de seus dados, incluindo sua natureza, objetivos, métodos, justificativa, finalidades, riscos e benefícios. Deve ser conferida, ainda, liberdade ao titular em recusar ou interromper o tratamento dos dados a qualquer momento.
Ainda sobre o assunto surge a indagação: afinal, após a coleta, uma empresa poderia “doar”, para um candidato, a sua lista de dados devidamente tratada?
Em regra não poderia! Com base no art. 57-E da Lei das Eleições, que foi regulamentado pela Resolução nº 23.610/2019, em seu art. 31, as pessoas jurídicas de direito privado estão proibidas de doar, utilizar, ou ceder dados pessoais de seus clientes em favor de candidatos, partidos e coligações. Em complemento, é vedada a comercialização dos dados, quer seja por pessoa física ou jurídica.
Qual o reflexo, no processo eleitoral, da utilização dos dados em desacordo com o estabelecido na lei? Estaria, o candidato, com risco de ter o seu registro ou diploma cassado ou o reflexo seria apenas financeiro, mediante aplicação de multa?
Embora a Lei tenha sido sancionada e aprovada, é possível que estejamos diante de um período de acomodação da referida legislação, pois até mesmo as sanções pecuniárias, só deverão ser aplicadas a partir de agosto de 2021. Assim, no campo legal, não há sanção a ser aplicada neste período de implementação da lei. No entanto, como se dará a aplicação da seara eleitoral?
O eventual desrespeito à LGPD, no campo eleitoral, deverá ser apurado com base na resolução e nas demais normativas aplicadas ao assunto, pois já existem outras medidas que visam coibir essas práticas, tais como a lei eleitoral com previsão expressa de multa entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), nos termos dos artigos 36, § 3º e 57-H, § 1ª, da Lei nº 9.504/97. Em complemento, a Lei nº 12.695/2014, que trata do marco civil da internet, também traz alguma previsão sobre o assunto.
A Lei de Proteção dos Dados vem complementar e estabelecer disposições específicas e pontuais de armazenamento de dados, com maior eficácia e segurança. Assim, caso o eleitor receba mensagens ou e-mail de algum candidato e acredite que seus dados tenham sido encaminhados de forma indevida, o mesmo poderá denunciar aos órgãos competentes, a fim de que sejam adotadas as medidas necessárias ao caso.
Ainda no âmbito eleitoral, o reflexo da lei nas candidaturas deverão ser observadas após a provocação da justiça e o posicionamento dos Tribunais sobre o assunto, o qual será objeto de muito debate, estudos e adequações futuras, sendo possível observar, mais uma vez, a Justiça Eleitoral como farol nas resoluções dos assuntos, considerando os avanços, cada vez mais céleres, dos mecanismos que envolvem uma campanha eleitoral, podendo-se citar a internet e seu universo de aplicação.
Fortaleza/CE, outubro de 2020.
O presente trabalho não representa, necessariamente, a opinião do Escritório, servindo apenas de base para debate entre os estudiosos da matéria. Todos os direitos reservados.
* Érico Carvalho Silveira é advogado, com atuação voltada ao Direito Eleitoral e Empresarial, sendo Sócio-Fundador no Escritório ALCIMOR, SILVEIRA, FIGUEIREDO, SÁ ADVOGADOS, em Fortaleza/CE.
* Lorena M. Costa Leite é advogada, com atuação voltada ao Direito Empresarial e Imobiliário, no Escritório ALCIMOR, SILVEIRA, FIGUEIREDO, SÁ ADVOGADOS, em Fortaleza/CE.