A ADIÇÃO DE SIGNIFICADO(S) AOS CONCEITOS JURÍDICOS CONSOLIDADOS: A JURIDICIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DA PROPOSTA AJUFE/MORO.

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A Associação dos Juízes Federais – AJUFE e o juiz responsável pela operação Lava- Jato, Sérgio Moro, apresentaram nesta semana proposta de modificação legislativa que visa possibilitar a decretação da prisão cautelar depois do julgamento de primeira ou segunda instância, resguardada a possibilidade de recursos, nos casos de crimes mais graves: hediondos, tráfico de drogas, tortura, terrorismo, corrupção ativa ou passiva, e lavagem de dinheiro, e desde que prevista as demais condições constantes do projeto.

O que vai aqui refletido é uma perspectiva jusfilosófica da questão com o objetivo de se aferir a compatibilidade da proposta com a Constituição e, mais importante, com a juridicidade – instância de validade mais ampla do que a constitucionalidade (sendo que esta está contida naquela). Os conceitos jurídicos vão se formando e se consolidando com o tempo, tanto mais quanto se os utilizam, manejam, convocam e sobre eles se dedicam estudos, tudo isso corroborando para o robustecimento de seus conteúdos. Uma lei que venha a introduzir um novo sentido a ser dado a um conceito jurídico já́ consolidado no imaginário da comunidade jurídica de uma sociedade comete violência à juridicidade e, portanto, é mais do que inconstitucional: é antijurídica.

Ocorre que existem momentos delicados na história da sociedade que clamam por rupturas. Assim, a regra segundo a qual os conceitos jurídicos têm os seu processos de formação de sentido e conteúdo submetidos ao passar do tempo comporta exceções, justamente, abrindo espaço para que, em circunstancias especificas e excepcionais da trajetória civilizacional de uma comunidade, aquilo que seria violência ao direito seja, em verdade, um seu reforço, na medida em que esta aparente violência jurídico-conceitual signifique um necessário ajuste para a preservação mesma do próprio sistema.

Por esse argumento é que entendo que a proposta AJUFE/Moro que busca adicionar um novo sentido aos conceitos jurídicos consolidados de trânsito em julgado (em menor medida nesse caso) e de (principalmente) cautelaridade (note: adição de sentido e não relativização de sentido) consiste em uma dessas apenas aparentes violências à juridicidade que representam uma ruptura necessária a se dar em um momento especial no processo jurídicocivilizatório do qual somos atores e partícipes. Uma ruptura legitima, portanto, sob o prisma da juridicidade e da constitucionalidade.

Tenho duas grandes preocupações que concernem a este tema: a primeira diz respeito ao projeto, em si, quanto à não previsão de criação de remédios eficientes que tivessem o potencial de evitar, coibir e/ou responsabilizar abusos que redundem nestas privações de liberdade. Penso que o habeas corpus não seria suficiente neste caso e que, paralelamente à sua previsão, outro mecanismo processual deveria permitir questionar e responsabilizar os abusos potenciais decorrentes desta delicadíssima inovação; a segunda preocupação diz respeito ao risco que corro de ter esta minha construção jurídico-argumentativa apropriada e instrumentalizada por quem queira, num futuro eventual, justificar e fundamentar, teórica e filosoficamente, a sua aplicação à circunstancias de fato outras que não venham a guardar compatibilidade com as que trago e descrevo – as únicas a comportarem, no momento, o peso e a gravidade destas ideias.

A proposta não é perfeita, mas parece realizar um seu desiderato natural: provocar a necessária discussão que já́ foi realizada em outros países – como Itália e EUA –, em circunstancias também de excepcionalidade, tendo transformando-se em normas jurídicas hoje aplicadas com relativo êxito.

Fortaleza, abril de 2015

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